10.7.17

Esta extraña influencia

Esta extraña influencia

                                                                              Dentro de mim ferve uma pomba-gira tímida e coqueta, que crê fortemente em sedução por olhares, e na força das palavras não-ditas.

Vim ao teatro; um off em Boedo.
Escolhi a peça e fui. Cada vez fica mais cômoda a experiência de sair a solas.

Cheguei, estava fechado, com uma lousa: "Estamos en función. Favor no abrir la puerta" - insólito. Breve espera; acompanhada de meu celular, e troca de áudios com mi mamá.
Poucos minutos depois abriu a porta um mocinho lindo, bastante comum mas lindo. Coqueteei com olhares mudos, e entrei. O espaço era bastante peculiar, como todo teatro alternativo: haviam diversos objetos colgados nas paredes, entre varietés e bonecos de papel machê.
Ao fundo, um casal falava com uma funcionária do local; o homem contava a ela sobre suas estadias e passadas por São Paulo y Rio de Janeiro, num misto de dicas, diálogo pouco mútuo, e passação de fatura - mal imaginavam eles que ali estava eu, brasileira, criticona e discordante.

Um pouco inquieta, um pouco incômoda, mas buscando me adaptar, esperei alguns minutos entre celular e devaneios. Me animei a me acercar ao barzinho popular do local:
- Hola, tenés agua? - pergunto ao garçom, também lindo.
- Sí, te doy un vaso - me diz, muito amável, e inesperadamente me olhando nos olhos.
- Dale! Bollet... botella no tenés? - devolvi, idiota e orgulhosamente sem-graça diante da gentileza atípica.
- No, no hay, pero te doy un vaso, es del dispenser - me diz sorrindo, e se vai pelo copo de água.
- Muchas gracias. Y este vino es tinto? - pergunto olhando para a lousa com preços.
- Sí, es este - e me mostra a garrafa. Olho consentindo, como se conhecesse a marca. Pago com troco certo - uma obrigação-educação que aqui aprendi para conseguir tirar um pouco de gratidão e gentileza dos comerciantes porteños.

A peça começou, observei atores e seus gestos, me fixo pouco no texto. Encarno um personagem detestável de olhares críticos e atentos.
Mas minha viagem mesmo é outra: tudo isso é um encontro comigo mesma; uma saída do casulo; un intento de animarme a despegar. E bêbada, com uns tragos na cabeça é mais fácil; sóbria sou detestável, racional, irremediávelmente processual.
A peça descorre; entre meus devaneios embrigados, sigo no meu personagem crítico e observador. Um dos atores me chama a atenção pela jovialidade de um moleque, e me faz lembrar de Juan P., um nene de pinto pequeno e olhos ternos que conheci.
Termina a peça e sigo com meu personagem crítico-observador. E acredito que um dos atores nota isso (ou fatalmente me sentei no lugar que ele usa como ponto de fuga, que sé yo...)
Me vou do teatro, automaticamente morto após o fim da função. Mas algo no meu espírito foi reacendido; um demônio velho amigo meu, buscando noite, brisas, álcool & histórias. Escrevo para os únicos amigos, num intento inútil de buscar a companhia parceira e adequada, mas essa ficha cada dia desce um pouco mais: os ditos amigos já passaram do prazo de validade; já não seguirão os velhos novos e necessários ritmos desse demônio.
Ainda assim me forço a encontrar um deles em uma pizzeria da Av. Corrientes: apenas comemos, e jogamos as mesmas palavras e assuntos repetidos ao vento; ambos fingindo novidade, e eu, fingindo normalidade.
Se termina, pedimos a conta e nos vamos: sigo buscando. Munida de meu novo companheiro, um fone de ouvido, ponho temas de Charly García, e vou lamuriando Canción 2 x 3, esperando um ônibus que felizmente não veio.
E me aventuro; caminho pelas ruas do Congreso, ruas essas que tantas vezes andei a essa mesma hora, mas acompanhada, na segurança da presença-ausente e distante de alguén(s).
Outras épocas, outras esperanças; menos apunhaladas; menos responsabilidades & noias na cabeça.

Caminhei entre metaleiros e góticos dos bares da Av. Rivadavia; muito breve, mas dando esses que considero os primeiros verdadeiros passos da independência solitária. Talvez motivada por nostagia, talvez por necessidade de rebeldia.
Dei a volta em duas quadras, sem jeito, perdida, errante a caminho de casa, mas querendo ficar.
Parei então num pub horrível da Av. de Mayo, o mesmo ao qual trouxe um romeno egoísta e pisciano que conheci há alguns meses atrás.
Foi fácil entrar: talvez pelos vinhos anteriores, tal vez bajo esta extraña influenza.

O fato é que algo mudou. Puedo ver y decir y sentir, mas é difícil abraçar, ver isso por completo - o que quer que isso seja.
Quero romper com tudo; me virar do avesso. Não é fugir, mas sim encontrar. Reinventar; mais urgente do que só escapar.

E num insight, vítima dessa minha inconsciência boêmia e errante, me dou conta de que esse também é o primeiro bar no qual pisei em 2014, acompanhada de um argentino bancário pervertido, e do qual fugi nos dias seguintes. O mesmo bar.

Son intuiciones? Verdaderas alertas? Não sei. Só sei que quero voltar a botar as cartas.

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10/Jul/2017 - 01h45 - Buenos Aires, Argentina

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