4.6.17

Lo tengo todo en un pen drive

Ensaiei sair só pela noite: ensaiei por semanas. Por fim sai num domingo, sem muitas pretensões. Por casualidade, invitei ao boy de um amigo, que aceitou de pronto; queria desabafar.
Entre comida e cerveja, verdadeira e justa, dei minha opinião mais franca, mesmo na dúvida se era o que ele queria ouvir ou não. No início me senti usada, mas depois só aceitei minha missão humana de ajuda em um momento difícil.
Ele se foi; sigo na mesa. Peço mais uma cerveja, e percebo que o casal ao lado está discutindo, sem muitos pudores, uma conversa onde ela acusa traições, negligências, e menciona que as provas estão todas em um pen drive. Ele murmureia, cabisbaixo, e nega.
Embuída de retórica inútil, me pergunto por que os homens mentem, por que são covardes, por que as mulheres se fazem de cegas e crédulas... relações de descontentes, de inconformes, cheias de silêncios e repetições. Tell me, tell me, Riddler, Riddler.
Me pergunto mas sei das respostas, e sei das causas.

Saio do bar, encorajada pela bad de Fake Plastic Trees que começa a tocar; o casal continuou discutindo; deixei um resto de cerveja. Caminho diretamente para tomar um táxi, que passa livre e me acena swingeando o dedo, dizendo que não pararia. Xingo, mostro o dedo do meio, y me quedo um minuto mais nessa esquina, e decido voltar ao bar para ir ao banheiro.
Nessa névoa, nessa brisa de Domingo + cerveja, vou caminhando em direção a uma rua possivelmente conhecida, com um leve receio no peito de ser assaltada ou de algo me passar. A verdade é que nada nunca me acontece - sempre desconfiei que é o resultado exitoso de malandragem, rua, bar e pensamento positivo.
Há um encanto em caminhar por ruas de forma desplanejada e inesperada, ainda que atenta e esperta a todos os ângulos e atitudes suspeitas. Essa é a manha, a arte para se andar na rua - manha criada em Sampa.

Caminho certa de tomar o 168, ainda que esteja cheio de gente desesperançada, pobre e muda. Mas topo de cara com a parada do 90, um antigo ônibus que tomava para ir para os lados de Villa Urquiza, quando fazia nesse bairro, um curso de leitura de Tarot.
O 90 é um daqueles ônibus de caminho desgraçadamente largo, mas de surpresas, guardadas só para aqueles que estão atentos e abertos. Em um trajeto de 01h30, ele cruza quase que metade de Buenos Aires passando pelos bairros mais subestimados e escondidos: Almagro e seus rincones, La Paternal, Chacarita e Villa Urquiza, chegando quase no limite com a província.
Tenho carinho imenso pelo recorrido desse ônibus: caminhos e paisagens que o metrô jamais poderia proporcionar.

Subo então no 90, na ideia e na segurança de descer perto de casa. Peço a tarifa ao motorista, e me escoro em uma dessas estruturas próprias para a bunda dos observantes-flamboyants. Revejo com carinho meus rincones favoritos de Almagro, entre eles o cruze da calle X e X, onde há um pequeno jardim suspenso. Muros e paredes imensas esperando murais, pixos e graffitis; muros que separam trilho + trem, de rua + casas. Repito: só para loucos, só para flamboyants.

A vida oferece pequenos deleites, pequenos mas especiais para os sensíveis. Reconheço que toca Dire Straits; logo após Money For Nothing entra Brothers In Arms, álbum e tema que ouvi tantas vezes no escuro do quarto da casa de minha mãe. E vou, levada por imaginação & som, enquanto nos acercamos da Plaza Miserere.
Mudamente canto junto, acolhida e agradecida por me encontrar e pertencer à decadência.

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04/Jun/2017 - Buenos Aires, Argentina - 21h17